Pesquisa mostra que mudanças da prefeitura no SAMU/SP pioraram o serviço

Pesquisa do UOL mostra que mudanças no atendimento do SAMU/SP pioraram o serviço

No início do ano, entre fevereiro e abril, a prefeitura de São Paulo houve por bem extinguir 31 das 58 bases de atendimento exclusivo do SAMU, em pontos estratégicos da cidade, incorporando-as a hospitais e outras unidades de saúde. Com isto bases próximas a vias expressas foram extintas, incluindo as instaladas à beira das marginais de maneira a agilizar o atendimento quando da decisão de aumentar a velocidade máxima permitida no início da gestão Doria. Desde o início da implantação da medida, médicos e socorristas estão apontando que ela piora a logística do serviço, e consequentemente a qualidade do atendimento.

Mais recentemente, pesquisa do UOL trouxe dados que confirmam estas avaliações, com aumento na demora do atendimento, e diminuição do número de chamadas atendidas, comparando os períodos de janeiro a maio de 2018 e 2019.

A prefeitura contra-argumenta, afirmando que se trata de uma fase de transição, e que o serviço já dá sinais de melhora.

Demora aumenta e número de chamadas atendidas diminui

O UOL recorreu à Lei de Acesso à Informação:

Dados obtidos pelo UOL via Lei de Acesso à Informação mostram que o tempo de atendimento de ambulâncias aumentou e o número de chamadas atendidas diminuiu comparando os meses de janeiro a maio de 2019 em relação aos mesmos meses de 2018. Segundo mostram os números, o tempo médio de atendimento de uma ambulância em fevereiro deste ano, quando as mudanças começaram a ser implementadas, foi de 79 minutos. No ano passado, nesse mesmo mês, foi de 69 minutos. A diferença representa um aumento de 13% no tempo médio de atendimento.

[…] Em relação ao número de chamadas atendidas pelo serviço da Secretaria Municipal de Saúde, os efeitos após a reestruturação são ainda maiores: foram 12.148 atendimentos em abril deste ano, 21,6% a menos que os 15.514 atendimentos realizados em abril de 2018. Os números representam menos da metade das chamadas feitas ao Samu, já excluídas ligações solicitando outros serviços, pedidos de informações e trotes. Após a reestruturação, o único mês em que houve incremento do número de atendimentos foi em maio: 14.815, contra 13.714 no mesmo período do ano passado (aumento de 8%).

Barreira físicas aumentaram

Em relato ao UOL, um médico do Samu afirmou que a zona sul é, geograficamente, mais intrincada, pois abriga algumas represas da cidade (Guarapiranga, que abastece mais de 4 milhões de pessoas, é uma delas). “As bases anteriores foram pensadas para contornar o problema das represas. Quando se altera as posições geográficas dessas bases, sem levar em considerações as barreiras físicas, você prejudica o atendimento”, diz, sob condição de anonimato. “Esse foi o pior quadrimestre da história do Samu, desde que o serviço foi criado em 2004. Foi o pior não só em tempo de resposta, mas em número de atendimentos também”, afirma o médico.

[…] Diretor do Simesp (Sindicato dos Médicos de São Paulo), Gerson Salvador chamou de “tragédia anunciada” as mudanças realizadas. “As bases ficavam próximas a vias expressas da cidade, que davam fácil acesso às ambulâncias, que conseguiam chegar mais rápido aos locais. Agora, para sair dos hospitais é um transtorno. Os números mostram que essa é uma estratégia equivocada e não visava aumento da eficácia.”

Improvisação aumenta a precariedade e gera inadequações

A mudança nas bases do Samu começou no final de fevereiro, mas foi concluída apenas no começo de abril, mês que registrou a maior diferença em termos de tempo de atendimento e número de chamadas atendidas. Em suma, a reestruturação consistiu no fechamento de 31 bases modulares e a descentralização das equipes assistenciais do serviço. Funcionários e equipamentos foram deslocados dessas bases para salas — muitas vezes improvisadas — em hospitais e unidades de saúde da cidade.

[Dirigente do Sindicato dos Médicos] cita como exemplo a base transferida para o Hospital Municipal de Campo Limpo, onde a equipe passou para o quinto andar do prédio. “Os socorristas precisam pegar elevador para atender uma emergência. Em outros lugares, precisa validar ticket de estacionamento para sair com a ambulância. Isso tudo atrasa o tempo de atendimento”, diz.

[…] Muitas das salas disponibilizadas pela prefeitura para as equipes apresentam condições de insalubridade, conforme mostram vídeos aos quais a reportagem teve acesso.

De acordo com Sindicato dos Médicos economia e terceirização são o objetivo

O Simesp [Sindicato dos Médicos de São Paulo] afirma que a reestruturação tem como principal objetivo a contenção de gastos. Levantamento feito pelo sindicato aponta que a prefeitura vai economizar R$ 7,4 milhões ao ano com o fechamento das bases modulares, já que cada estrutura custa cerca de R$ 20 mil por mês aos cofres públicos. Para médicos ouvidos pelo UOL, a reestruturação faz parte de um projeto da prefeitura de terceirização do setor.

=> Após reestruturação, Samu de São Paulo atende menos pessoas e demora mais (UOL 9/7/19)

Médicos alertaram sobre o problema logo após as mudanças

No final de março o portal G1 publicou reportagem onde médicos já alertavam sobre o problema:

Em fevereiro, a Secretaria Municipal da Saúde anunciou o fechamento de 31 das 58 bases do Samu. Os funcionários dessas unidades que deixaram de existir foram realocados em locais como UBSs e hospitais, por exemplo. A Prefeitura diz que essa manobra permitiu ampliar os pontos de atendimento para 78.

Os médicos dizem que na prática, não há ampliação nenhuma e que a mudança está prejudicando os atendimentos.

O tempo máximo de atendimento, de acordo com padrões internacionais, é de doze minutos para a chegada do socorro quando a vítima corre risco de morrer. Em São Paulo, o socorro tem demorado, em média, dez minutos a mais do que deveria.

Um exemplo

A extinção da base do Jardim Sarah:

Era dentro de um contêiner que funcionava a base do Jardim Sarah, na Zona Oeste de São Paulo. Na parte de baixo, espaço para as ambulâncias e uma sala só para armazenar mantimentos. Em cima, a ala dos funcionários tem pia, geladeira, micro-ondas e armários. Ao lado, o quarto ainda está com as camas beliche. O banheiro tem inclusive chuveiro para uso após o atendimento.

Só que, daqui a poucos dias, tudo isso vai deixar de existir. A base do Samu do Jardim Sarah faz parte do conjunto de 31 que serão fechadas.

Uma vantagem da agora fechada base do Jardim Sarah é que a saída já dava direto na Avenida Politécnica. Por ser uma das mais importantes da capital, facilitava o acesso das ambulâncias.

A Prefeitura diz que está descentralizando o Samu e realocando as equipes em hospitais e UBSs, por exemplo, para economizar e melhorar o serviço. Mas médicos dizem que essa mudança está trazendo mais problemas que soluções.

Uma das novas bases foi instalada dentro do Pronto Socorro Doutor Caetano Virgílio Neto, no Butantã. Os funcionários colocaram um colchão no chão porque não tem lugar para todos. É outro problema num pronto socorro onde pacientes ficam em macas no meio do corredor — e até no chão.

=> Médicos dizem que mudanças na estrutura do Samu, em São Paulo, prejudicam atendimento (G1 29/03/19)

Duas bases na Marginal Tietê, parte do programa “Marginal Segura”, também foram extintas

O portal G1, em outra matéria, mostra que até o programa “Marginal Segura”,  criado para amenizar as críticas à primeira decisão do então recém-eleito prefeito Doria, que foi aumentar a velocidade mínima permitida nas marginais, o que, de acordo com diversas análises, iria aumentar o número de acidentes:

A prefeitura fechou 31 bases, antes em terrenos alugados, incluindo duas bases que prestavam socorro em acidentes na Marginal Tietê. Elas faziam parte do programa “Marginal Segura”, criado em janeiro de 2017 para agilizar o atendimento às vítimas do trânsito. As bases atendiam exclusivamente ocorrências nas marginais, onde tem o maior número de acidentes da cidade, com a justificativa de que a medida vai economizar verba para reinvestir no serviço e abrir mais bases em hospitais, subprefeituras e outros prédios públicos.

Falta de material para higienização das ambulâncias

Ainda na mesma reportagem,

Os funcionários do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) afirmam que há falta de materiais para a higienização das ambulâncias e de macas nas duas bases do Samu recém-inauguradas nas zonas Leste e Sul de São Paulo.

Por conta da falta de produtos, funcionários estão limpando ferramentas com álcool, que deveria ser utilizado somente no tratamento de ferimentos das vítimas.

O protocolo de atendimento do Samu determina que as ambulâncias sejam limpas sempre que algum material biológico, como sangue, entrar em contato com o veículo. A limpeza exige: luva, máscara, avental, óculos, um borrifador e três panos específicos, um para cada superfície.

=> Funcionários do Samu dizem que novas bases em SP não têm produtos de higienização de macas (G1 16/04/19)

A prefeitura contra-argumenta

A matéria do UOL publica uma resposta da prefeitura:

Em nota à reportagem, a Secretaria de Saúde argumenta que o processo de reestruturação do Samu foi consolidado somente em junho e que os resultados “poderão ser medidos nos próximos meses”. Segundo a prefeitura, os números de maio demonstram que mais chamadas foram atendidas pelo serviço. “Estes números reforçam que o plano de descentralização e integração do SAMU, que aproxima as bases dos locais das ocorrências, vai proporcionar o aumento da disponibilidade de ambulâncias e da produtividade das equipes. Fatores-chave para a melhora do serviço móvel de urgência e emergência prestada à população na cidade de São Paulo”, diz a pasta em nota.