Zona Azul privatizada continua sob investigação e compromete Plano Diretor

Zona Azul privatizada continua sob investigação e compromete Plano Diretor

Zona Azul privatizada

Desde o dia 17/11 a Zona Azul de São Paulo passou a ser explorada por uma única empresa privada, a Hora Park, do grupo Estapar, que tem entre seus controladores o banco de investimentos BTG Pactual. O Pactual, por sua vez, tem como co-fundador o atual ministro da economia Paulo Guedes. O negócio, estabelecido via concessão outorgada pela prefeitura municipal por um período de 15 anos, abrange extensa área de estacionamento cativo concentrada no centro expandido da cidade, como indica o mapa a seguir publicado na pg.5 do Anexo IV do Edital de Licitação.

No dia 30 de dezembro deste ano (2020) a Zona Azul completará 46 anos de existência. Criada em 30/12/1974 no município de São Paulo, durante a gestão do prefeito Miguel Colasuonno, e hoje operando em diversas cidades e estados, instituiu a cobrança por estacionar em local público na cidade, o chamado “estacionamento rotativo pago”.

Inicialmente monitorada a partir de cartelas vendidas em bancas de jornal, evoluiu para processos informatizados permitindo seu controle em tempo real. No momento de sua privatização, a zona azul gerava lucro para a prefeitura principalmente após este processo de digitalização. O portal G1, por exemplo, publicou em maio de 2017 matéria segundo a qual a digitalização “turbinou a arrecadação da Prefeitura de São Paulo” (Zona Azul digital alavanca arrecadação da Prefeitura com estacionamentos na rua, G1 18/05/2017)

Sob investigação

O processo de concessão da Zona Azul foi marcado por uma série de controvérsias, chegando a ser interrompido pelo Tribunal de Contas do Município, e ainda pelo Ministério Público, que conseguiu inclusive suspender a licitação temporariamente na justiça em 2019. Um dos pontos mais questionados, foi um “adiantamento” do valor da outorga, a ser paga ao longo de todo o período de concessão, para o ano eleitoral de 2020.

De acordo com o contrato, a vencedora pagará pelo negócio uma outorga fixa de R$ 1,346 bilhão. Deste valor, R$ 636 milhões deverão ser pagos ao longo de 2020, ano eleitoral. Acontece que aí se inclui um adiantamento, previsto no edital, de R$ 595 milhões, a ser quitado ainda na gestão Covas, portanto em detrimento das próximas gestões, o que inclusive é legalmente questionável. Além da outorga fixa, está previsto também o pagamento de uma outorga variável durante a concessão, variando de 6,5% a 15% da receita auferida, dependendo do seu montante.

Devido a esta e diversas outras questões, embora efetivado pela prefeitura em 19/05/2020 com a assinatura do contrato de concessão 008/SMT/2020, o negócio continua sendo objeto de denúncias feitas pelo Ministério Público, que têm inclusive o atual prefeito Bruno Covas como um de seus alvos. A Folha, recentemente, publicou extensa matéria a respeito, envolvendo não só a privatização da Zona Azul, mas também uma suspeita de direcionamento do contrato de patrocínio do Carnaval de rua de 2017. Segue um trecho do que foi publicado sobre a Zona Azul:

Apresentada neste ano, a outra ação que Covas segue respondendo é relativa à concessão por 15 anos do serviço de estacionamento rotativo da cidade, o Zona Azul, que sempre foi lucrativo. A vencedora foi a empresa Hora Park, do grupo Estapar, com proposta de R$ 1,3 bilhão.

A licitação chegou a ser suspensa a pedido da Promotoria, mas o Tribunal de Justiça derrubou a liminar. O Tribunal de Contas do Município também chegou a interromper o processo.

Um dos pontos destacados pela Promotoria é que a Hora Park já teria manifestado interesse na concessão antes mesmo de ela ocorrer. A gestão disse à imprensa que Estapar havia demonstrado interesse e que isso gerou um chamamento público.

A Promotoria traz uma série exemplos de supostas irregularidades ao longo do processo, o que incluiu uma audiência pública descrita como fictícia, que “teve início às 13h59min e que se encerrou às 14h24min e que aos participantes foi possibilitado apenas a formulação de questionamentos e opiniões por escrito, que seriam respondidos através do Diário Oficial da Cidade de São Paulo”.

Um ponto visto como fator que reduz a competitividade foi a cobrança de outorga fixa de R$ 595 milhões até o fim de 2020.

Segundo a ação, essa cláusula “mostra-se restritiva à competição por, injustificadamente, inibir a participação de licitantes que possuem capacidade técnica, operacional e financeira para a execução do objeto, mas não conseguem, seja por fonte própria ou de terceiros, realizar o pagamento desses vultosos R$ 595 milhões no momento em que o concessionário ainda não conta com as receitas da concessão”.

A ação responsabiliza Covas por omissão quando notificado pelo Ministério Público sobre recomendação administrativa sobre ilegalidades do edital e da suspensão da licitação. Por isso, o Ministério Público pediu que ele fosse punido com sanções como perda da função pública e suspensão dos direitos políticos.

=> Covas é alvo de ações de improbidade que miram suspeitas em licitações de Carnaval e Zona Azul  (Folha 01/11/2020)

Comprometimento do Plano Diretor

Um importante aspecto adicional da polêmica gerada pela privatização da Zona Azul diz respeito ao comprometimento das diretrizes estabelecidas pelo Plano Diretor de São Paulo para o desenvolvimento do município, particularmente no que diz respeito a alternativas mais modernas de mobilidade urbana.

Estacionamento é apenas uma de múltiplas utilizações possíveis do espaço público junto ao meio fio, e a reserva de vagas garantida para a concessionária poderá comprometer a implantação de novas alternativas de transporte mais amigáveis com o meio ambiente e o pedestre, que tendem a diminuir progressivamentee a utilização do automóvel particular.

Inúmeros arquitetos e urbanistas têm apontado o problema. Em edição recente, já na vigência da concessão, o Estadão, por exemplo, aponta que:

Já para Valter Caldana, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Mackenzie, o contrato deveria ter sido calcado em serviço, e não em um número mínimo e máximo de vagas, justamente para facilitar a adaptação do meio-fio às demandas atuais e futuras. “O problema não está na concessão como instrumento, mas como o instrumento é usado, aí tem alguns problemas importantes”, destaca.

“Estamos vivendo hoje, no mundo, uma revolução da mobilidade. Qual vai ser cenário efetivo da necessidade de vagas para automóveis particulares de monousuário nos próximos 5 anos? Poucos especialistas teriam coragem de dizer isso com toda certeza”, comenta. Por isso, defende que esse tipo de concessão precisa ser precedido por um projeto urbano, que envolva outros elementos além da demanda de automóveis.

=> Concedida por 15 anos, nova Zona Azul já começa sob críticas em São Paulo (Estado, 18/11/2020)

=> Ver também: Privatização da Zona Azul: monopólio e pagamento antecipado em ano eleitoral