ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE NO PORTAL GGN
Saneamento deve ser o objetivo, a despoluição dos rios apenas uma boa decorrência
Álvaro Rodrigues dos Santos
Nossos rios serão despoluídos na medida da extensão das boas práticas de saneamento para toda a cidade, ou, em outras palavras, em ganhos de cidadania em saneamento básico.
Nesse nosso Brasil de sinais trocados o governador Dória anuncia, mais uma vez, um projeto de despoluição do rio Pinheiros. Para tanto seriam implantadas algumas medidas para melhorar o saneamento básico da bacia hidrográfica desse maltratado canal de dejetos em que foi transformado o rio Pinheiros.
Ainda que o referido projeto não preveja a extensão dos serviços de saneamento básico por todos os bairros da bacia, como também uma total despoluição do rio, ao menos a lógica da operação, ao entender que a qualidade dos rios urbanos responde à qualidade sanitária da cidade, é extremamente superior às antigas e socialmente perversas idéias de gastar enormes somas de dinheiro para despoluir o rio através de tecnologias (naquele caso, a flotação) aplicadas diretamente sobre suas próprias águas. Uma solução que, por seu absurdo social, trás um indisfarçável ranço elitista.
Vejamos alguns números (ordens de grandeza) da maior metrópole brasileira, a paulistana (RMSP), a qual geograficamente coincide em sua maior parte com a Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, que tem o próprio Tietê como rio principal e o Pinheiros e o Tamanduateí, como seus principais afluentes: volume de esgoto gerado anualmente: 1.350.000.000 m³; volume de esgoto coletado: 900.000.000 m³/ano; volume de esgoto tratado: 497.000.000 m³/ano. Do que se depreende que, por dados oficiais, são recolhidos apenas 67% do esgoto total gerado, e são tratados apenas cerca de 37% desse mesmo volume total. Ou seja, bem mais da metade do esgoto gerado na RMSP é lançado em termos práticos diretamente na rede hidrográfica urbana. Isso sem considerar o grande volume de efluentes domésticos e industriais gerados, não oficialmente computados, e irregularmente lançados in natura, que sabidamente existem em abundância em toda a metrópole, o que evidentemente torna a situação ainda mais grave.
Pois bem, frente a esse terrível quadro, e sabedores que suas vítimas maiores habitam áreas faveladas e as zonas periféricas pobres de nossas cidades, fica-nos absolutamente claro que os ganhos que teremos na qualidade das águas de nossos rios serão fruto direto dos ganhos que tivermos nas políticas públicas de saneamento básico de grande alcance social. Isto é, nossos rios serão despoluídos na medida da extensão das boas práticas de saneamento para toda a cidade, ou, em outras palavras, em ganhos de cidadania em saneamento básico. De quebra, teremos rios limpos e cheios de vida. Ou seja, a despoluição dos rios acontecerá como decorrência natural, em um movimento de fora para dentro, se assim pudermos dizer. Esse é o desafio civilizatório que deveria ser corajosamente assumido e enfrentado pelos nossos governantes, abandonando de vez projetos dispendiosos, mas que atendem somente os apelos de alguma demagogia estética.
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br) – Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas. Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”, “Cidades e Geologia”. Consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia.
=> Saneamento deve ser o objetivo, a despoluição dos rios apenas uma boa decorrência (GGN 21/08/19)
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