Covid-19 e a importância de curvas logísticas e epidemiológicas

Covid-19 e a importância das curvas logísticas e epidemiológicas

PUBLICADO EM 05/05/2020; REVISADO EM 11/01/2023

Mortes no Brasil duplicam a cada 5 dias?

A Fiocruz, em estudo amplamente divulgado em abril de 2020 (Mortes por coronavírus dobram a cada cinco dias no Brasil), fez importantes alertas quanto à progressão da Covid-19, destacando a interiorização da doença pelo país. No entanto, afirmar que mortes duplicam a cada 5 dias requer ponderações.

De fato, no primeiro intervalo semanal citado no estudo, de 29 de março a 4 de abril de 2020, o período de duplicação é até menor. Basta multiplicar o valor do dia 29, 136, por 2, e ver que os 272 obtidos foram superados em menos de três dias, uma vez que 2 de abril já registrava 299 óbitos, 27 a mais que 272.

Acontece que, à medida que passa o tempo, a coisa muda. O número de 7.288 óbitos registrado para 4 de maio de 2020, por exemplo, é o dobro de 3.644. Este valor foi atingido no dia 24 de abril, quando foram totalizadas 3.670 fatalidades, a mais de dez, e não cinco dias antes.

Figura 1 – Clicar para ampliar

A Figura 1 mostra a evolução desta diferença. A curva em azul corresponde a um crescimento que resulta da permanente duplicação dos valores a cada 5 dias, iniciando com os 136 óbitos registrados no dia 29 de março. Este tipo de crescimento, que sistematicamente se multiplica por um mesmo número, ou crescimento exponencial, não para nunca de acelerar. Por esta razão, é cada vez mais difícil de ser acompanhado por tendências de crescimento do mundo natural.

A comparação mostrada no gráfico ilustra o problema. A curva laranja corresponde ao que realmente vem sendo registrado pelo Ministério da Saúde, a partir dos mesmos 136 óbitos. Embora no início evoluindo com valores ligeiramente superiores à tendência exponencial até 18 de abril, a partir daí esta relação se inverte, passando a valores cada vez menores que os exponenciais.

A explicação está no fato de que a trajetória das ocorrências, tanto de casos de infecções quanto de mortes, embora se inicie com características exponenciais, é limitada por diversos fatores externos, começando pelo tamanho das populações afetadas, que evidentemente não pode ser superado. A este se acrescentam outros, como medidas higiênicas e sanitárias e políticas públicas de contenção, com destaque para o isolamento social.

A curva logística

Portanto, para a covid-19, o modelo de duplicação contínua sempre irá se inviabilizar com o decorrer do tempo. Por esta razão, em vez dele, o modelo usualmente adotado para epidemias é o de curvas em S, também chamadas de curvas logísticas, que conseguem acomodar as características de aceleração inicial, procedida por um arrefecimento, e chegando até a estabilização, imposta por limitações externas (Figura 2).

Figura 2 – Clicar para ampliar

A curva logística mostra que a duplicação de casos ou mortes como parâmetro de avaliação deve ser considerado com cautela, pois pode levar inclusive tanto a conclusões desnecessariamente alarmantes, se usados no início das ocorrências, quando a duplicação se dá a intervalos extremamente curtos de tempo, como também pode levar ao oposto. Como com o correr do tempo o período de duplicação tende a se alargar e desaparecer, pode-se chegar à falsa impressão de um relaxamento de crise, tendência que também pode ser contrariada com a incidência de novos surtos, como de fato aconteceu no Brasil e em SP no início de 2022 (lincar).

A curva epidemiológica

Como retardar o pico da epidemia.
Figura 3 – Fonte hemosc.org.br

As curvas epidemiológicas ou epidêmicas nada mais são que os registros diários das ocorrências acumuladas pela curva logística. Portanto tendem a assumir a forma de sino, subindo junto com a fase inicial de crescimento da curva logística, mas depois decrescendo na medida que a logística vai se estabilizando com ocorrências diárias cada vez menores, chegando finalmente a zero quando a parte superior do S da logística é atingido, sem mais ocorrências a acrescentar.

As curvas epidemiológicas são fundamentais para o acompanhamento das crises e para avaliar as medidas necessárias para combatê-las. Isto pode ser melhor entendido com a auxílio da Figura 3, que mostra duas formas alternativas de curvas epidemiológicas, ou dos registros diários das ocorrências. A primeira ilustra um pico precoce resultante da ausência de medidas de contenção, já a segunda qual o achatamento necessário para que os recursos disponíveis de internação e tratamento sejam compatíveis com a demanda por estes serviços.

Na prática

Para o caso de vírus mais conhecidos, estas curvas, projetadas seguindo modelos matemáticos com diversos graus de complexidade, têm se revelado como ferramentas de análise bastante confiáveis, uma vez que as epidemias em geral seguem o comportamento por elas traçado, e a forma como o vírus prolifera e interage com seus hospedeiros é razoavelmente previsível.

Já no caso das epidemias por vírus desconhecidos, como é o caso do Novo Coronavírus, a capacidade de previsão sobre a velocidade e o alcance de sua propagação é bastante limitada. Como já explicitado por diversos analistas, o máximo que se consegue projetar com alguma confiabilidade são alguns dias à frente. Fica então a pergunta: qual a utilidade destas curvas como métodos de projeção?

Cabem aí duas respostas. A primeira é que, embora o comportamento do vírus seja desconhecido, o dos surtos epidêmicos, não são, pois as curvas epidemiológica e logística têm sido historicamente observadas. As pandemias se alastram, causam efeitos catastróficos, como foi o caso da Gripe Espanhola, mas passam cedo ou tarde por seu pico e acabam arrefecendo terminando por praticamente desaparecer. Mas com os novos vírus fica difícil saber quando o pico irá acontecer e qual a sua amplitude.

A Figura 4 ilustra o problema. Com base nos dados já disponíveis, particularmente de outros países e regiões, vemos nela a incerteza representada por três cenários traçados segundo três curvas epidemiológicas que indicam o grau de gravidade do surto em função das medidas de distanciamento social.

Estes gráficos constam do Boletim Especial 7 do Ministério da Saúde sobre o coronavírus publicado dia 06/04/2020. O tempo é marcado em semanas epidemiológicas, iniciadas no dia 3 de janeiro, sendo que a semana 18, que vai de 1 a 7 de maio, é apontada como um marco de intensificação da pandemia. Esta arrefece totalmente a partir da semana 39, que começa em 25 de setembro, o que dá uma ideia do que o Ministério está esperando de sua duração.

Vemos então que, apesar da incerteza, as curvas ajudam a orientar sobre duração, intensidade e sobretudo a cronologia de políticas públicas para combater a doença. Mesmo assim, prevalece o alto grau de imprecisão na previsão da intensidade do surto, o que, como já dito, tem sido limitado a não mais que uma semana.

Mas a projeção das curvas é o que se tem para se lidar com o inesperado, e, por incrível que pareça, bem melhor do que nada. A situação é análoga a trafegar em meio a um denso nevoeiro. O instrumento de previsão, no caso, seriam os faróis de neblina. Apesar do seu curto alcance, ninguém vai abrir mão deles, pois são indispensáveis para que se consiga identificar se o que temos no curto espaço pela frente é a abertura para um horizonte mais limpo ou uma parede de concreto, a tempo de se tomar as medidas corretivas necessárias para cada caso.

Levando em conta o efeito da sub-notificação

Cabe ainda uma nota final sobre sub-notificação, que também tende a não ser captada por avaliações baseadas em períodos de duplicação. Em pesquisa publicada em abril de 2020, por exemplo, estimou-se que na cidade de São Paulo o número de mortes causadas pela pandemia seria na realidade 168% maior que os registros oficiais. Porem, o tempo para que as mortes se dupliquem será sempre o mesmo, quer elas sejam multiplicadas por este fator de correção ou não.  Já a análise de tendências baseada nas curvas epidemiológicas e logísticas permite dimensionar as distorções geradas pela sub-notificação, e portanto o tempo necessário adicional para que se chegue a  um achatamento adequado.

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