Concessão do Pacaembu será segregação ou integração ao espaço público?

Concessão do Pacaembu para a iniciativa privada é a segunda a ser assinada pela atual gestão municipal

Como informa o site da Prefeitura de São Paulo,

O prefeito Bruno Covas assinou segunda-feira (16/09), o contrato de concessão do Complexo Pacaembu. O Consórcio Patrimônio SP, formado pelas empresas Progen – Projetos Gerenciamento e Engenharia e Savona Fundo de Investimento em Participações, venceu a concessão com a abertura dos envelopes em fevereiro de 2019. O consórcio apresentou a melhor proposta financeira à Prefeitura de São Paulo pelos 35 anos de concessão do complexo esportivo: R$ 115.395.000,00 milhões – a outorga mínima era de R$ 37 milhões –, um ágio de 208%. Além da outorga fixa, a concessionária deverá também uma outorga variável de 1% sobre a receita bruta da empresa.

A prefeitura disponibiliza também um resumo do que apresenta como benefícios econômicos para a cidade, o que no entanto poderá mudar pelo menos no que diz respeito a investimentos, ver na nota da tabela:

Benefícios econômicos para a Cidade de São Paulo

Outorga fixa

Outorga variável

Desoneração ao longo do contrato

Investimentos previstos

ISS

R$ 115.395.000

R$ 21.928.000

R$ 212.077.000

R$ 220.034.000(*)

R$ 87.361.000

Total: R$ 656.795.000,00

(*) O consórcio vencedor apresentará sua proposta; poderá mudar.

“Segregação, como um condomínio, ou integração ao espaço público?”

Esta é uma pergunta que fica no ar com o anúncio da prefeitura. Sua formulação partiu do arquiteto Mauro Munhoz, como publicou a Folha de 16/09/19, e resume dúvidas de se o objetivo maior de popularizar o esporte, que sublinhou a inauguração do complexo esportivo em 27/04/1940, será mantida. Munhoz é autor do projeto do Museu do Futebol, que não está incluído na privatização, e diretor da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty).

Tobogã será demolido para dar lugar a prédio multiuso

A demolição da arquibancada popular conhecida como Tobogã, que por sua vez foi construída no lugar da antiga Concha Acústica, também demolida para dar espaço a torcedores de menor poder aquisitivo, é uma das razões para a dúvida. Com a demolição, que tem sido alvo de questionamento judicial, o número de lugares no estádio de futebol cairá de 40 mil para 26 mil, sendo que já foi de 70 mil por ocasião da sua inauguração, e a redução do número de lugares disponíveis provavelmente resultará na elitização do acesso aos jogos. .

No seu lugar deverá ser erguido um edifício de nove andares, sendo quatro no subsolo. Os andares superiores deverão ser ocupados por áreas de serviços diversificados, como espaços de coworking, restaurantes e escritórios, conformando o que está sendo chamado de andares multiuso. Já no subsolo, além de três andares de estacionamento, com 450 vagas, haverá um centro de convenções, destinado a receber eventos como shows, peças de teatro e eventos esportivos como lutas de boxe.  Nestes casos a localização subterrânea está sendo a proposta para contornar os níveis de ruído máximo permitidos na região.

O que será do acesso gratuito?

Por outro lado, não há segurança quanto à gratuidade dos serviços desportivos quer até agora vinha sendo disponibilizada pela prefeitura.

O contrato acabou por limitar as promessas iniciais da continuidade dos serviços gratuitos do complexo esportivo, restringindo-a a algumas horas por semana. A única piscina olímpica ainda pública da cidade, por exemplo, terá obrigatoriamente de ser aberta ao público por somente  5 horas por semana, 4 das quais para atividades físicas orientadas. Restrições semelhantes serão estabelecidas para outras modalidades desportivas, como estabelecido no Anexo III – Caderno de Encargos da Concessionária do contrato de concessão:

5.60. A CONCESSONÁRIA deverá ceder o CENTRO POLIESPORTIVO para utilização não onerosa do PODER CONCEDENTE, destinada à realização de atividades físicas orientadas e não orientadas pela Secretaria Municipal de Esportes e Lazer (SEME), conforme calendário de atividades, referente ao ano subsequente, enviado pelo PODER CONCEDENTE à CONCESSIONÁRIA todo mês de janeiro, considerando, no mínimo, as horas constantes do seguinte quadro:

A) Atividades físicas orientadas pela SEME:

EQUIPAMENTOTOTAL DE HORAS POR SEMANA
Ginásio de Tênis (quadra interna e externa)12
Ginásio Futebol/Handball/Basquete (quadra interna)12
2 Salas de ginástica e atividade física (por sala)12
Piscina4
Pista de atletismo4

B) Atividades físicas não orientadas pela SEME:

EQUIPAMENTOTOTAL DE HORAS POR SEMANA
Piscina*5
Pista de atletismo*8
Quadra Externa de Futsal*8

* O montante de horas destinado a essas atividades contempla as horas estabelecidas no quadro A acima, referentes à realização de atividades físicas orientadas pela SEME.

Ou seja, o contrato acabou por limitar as promessas iniciais da continuidade dos serviços gratuitos do complexo esportivo a poucas horas por semana de liberação, o que deixa o consórcio, a despeito de no momento estar assumindo o compromisso de manter gratuidade integral, liberado para cobrança de ingressos no futuro. Importante lembrar que se trata de um horizonte de 35 anos, considerado excessivo por diversos atores do processo, como a Viva Pacaembu (=> As razões da Viva Pacaembu contra o processo de licitação).

Integração ao espaço geológico

Pacaembu - construção das arquibancadas
Pacaembu – construção das arquibancada

Um aspecto adicional não menos importante é dos cuidados a serem tomados para que a demolição do Tobogã, e a subsequente edificação  do prédio multiuso, não interfira desastrosamente com a geologia da região.

Em trabalho recente (ver ao lado), o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos chama a atenção de como o projeto do Pacaembu foi exemplar ao harmonizar o formato do estádio à concavidade natural do terreno. A figura, selecionada entre as diversas ilustrações que constam do artigo, mostra como as arquibancadas foram assentadas em conformidade com as inclinações naturais já existentes, permitindo poucos “ajustes de terreno, via cortes e aterros, necessários à implantação do projeto, expressão do virtuoso casamento entre o empreendimento e as condições naturais do local que o recebeu”.

Lençol freático a ser rebaixado requer cuidados especiais

Esta concavidade natural corresponde à convergência tanto de águas superficiais quanto de mananciais subterrâneos, que ajudam a formar o córrego Pacaembu, que deságua no Tietê, e que foi canalizado sob o Estádio pela Companhia City. Inclusive, segundo o texto, Pacaembu em tupi-guarani significa “terras alagadas”.

Contatado, o autor esclareceu que este lençol freático deverá ser rebaixado para dar lugar aos andares subterrâneos do prédio a ser construído no lugar do Tobogã, o que será uma intervenção “hidrogeológica complexa de difícil solução”. O que, continuou, é perfeitamente possível, mas exige cuidados especiais.

Estádio ficará fechado por dois anos ou mais

Está previsto o fechamento completo do complexo por um período de ao menos dois anos para obras de reforma. Segundo a Folha, as obras começam no primeiro semestre de 2020:

As obras começarão no primeiro semestre de 2020, com duração prevista de 24 até 28 meses, ao longo dos quais o estádio ficará totalmente fechado por questões de segurança. Tanto a área do campo de futebol como ginásio, piscina e quadras de tênis não poderão ser acessados pelo público no período de reforma. A concessão tem duração prevista de 35 anos.

=> Covas assina concessão do Pacaembu, que ficará fechado por ao menos dois anos (Folha 16/09/19)