Assembleia Legislativa de SP em votação virtual

Transferência definitiva de terras do estado a assentados gera controvérsias

Apesar da expressiva aprovação – 57 votos favoráveis e 4 contrários – o projeto de lei 410/2021 de autoria do governador João Doria que transfere em definitivo terras rurais do estado a produtores rurais assentados pelos programas de reforma agrária está sendo objeto de controvérsias e contestações judiciais. Como pelo projeto a compra será compulsória, os assentados serão obrigados a contrair dívidas, podendo vir a se tornar alvos fáceis de compradores que acabem por desvirtuar a função social dos programas.

Do portal da ALESP:

Os parlamentares da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovaram, nesta terça-feira (8/2), o Projeto de Lei 410/2021, de autoria do Executivo, que transfere, em definitivo, terras pertencentes ao Estado para produtores rurais assentados que fazem o uso do espaço há, pelo menos, 10 anos ou que tenham a sua concessão há 5 anos. Foram 57 votos favoráveis e 4 contrários. O texto segue agora para sanção ou veto, total ou parcial, do governador João Doria.

De acordo com a proposta, a transferência poderá ser feita com a expedição de um laudo da Fundação Itesp (Instituto de Terras do Estado de São Paulo) e sob o pagamento de 5% do valor médio por hectare, podendo ser parcelado por até 10 anos. Anteriormente, a quantia a ser paga deveria ser de 10%, no entanto, foi alterada após a aprovação da subemenda criada no relatório feito pelo deputado Mauro Bragato (PSDB), na Comissão de Constituição, Justiça e Redação.

Ainda é especificado que em áreas localizadas em mais de um município, prevalecerá o menor valor do hectare constante na tabela oficial do Instituto de Economia Agrícola da Secretaria de Estado de Agricultura e Abastecimento. Além disso, o projeto esclarece que o montante obtido com a titulação será revertido para a aplicação no desenvolvimento dos planos públicos de valorização e aproveitamento dos recursos fundiários, bem como na execução das finalidades institucionais do Itesp.

Entre outras obrigações dos beneficiários, está a exigência de que o título não poderá passar por negociações por um período de 10 anos, contados a partir da data de sua concessão. Também não será permitida a transferência do imóvel recebido para pessoa jurídica; pessoa física, proprietária ou que tenham imóvel que faça parte dos planos do Itesp, ou que possua qualquer outro imóvel rural, exceto quando se tratar de trabalhadores da área com terras insuficientes para garantia de sua subsistência; além de não permitir que a terra seja dividida.

O uso das terras deve ser mantido com a destinação agrícola e de exploração familiar, além de ter que respeitar a legislação ambiental, em especial a manutenção e a preservação das áreas de reserva legal.

Controvérsias

Projeto favoreceria “grande empresa latifundiária e monocultura”

As reações contrárias ao projeto foram diversas. Dentre elas se destaca uma liderada por professores universitários, respectivamente da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar e da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP que, junto com dirigentes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST e da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA, entraram com recurso junto ao Procurador Geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo.

O documento, de 68 páginas, e fundamento teórico amparado por extensa bibliografia, conta com a assinatura de 21 agentes políticos e pesquisadores de diversas instituições científicas. Deixa claro, logo no seu início, a preocupação com “a intenção governamental de renunciar às suas obrigações no campo sociofundiário e no atendimento dos justos interesses dos trabalhadores sem terra e dos agricultores familiares, para beneficiar a grande empresa latifundiária e monocultura”

Abrindo suas considerações finais, os signatários também deixam claro que, no seu entender, o projeto de lei procura desobrigar o estado do conjunto de políticas públicas que diferenciam a reforma agrária de uma simples política de transferência de propriedade:

O maior ou menor grau de precariedade dos assentamentos rurais não deve servir como argumento do fracasso das políticas de redistribuição fundiária, e nem justificar o PL 410. Deve sim ser entendido como indicador de que a reforma agrária, para cumprir seu papel econômico e social, deve vir acompanhada de um conjunto de políticas públicas associadas que abarque amplo acesso à saúde e à educação, bem como acesso a financiamentos, subsídios, assistência técnica, criação de canais de escoamento e comercialização, além de assegurar ao assentado segurança jurídica da posse da terra que não precisa ser por meio de uma titulação que se mostra mais uma desobrigação com as políticas de reordenamento fundiário históricas no estado do que uma preocupação com o desenvolvimento dos assentados e dos assentamentos.

Providências foram solicitadas

A seguir, com base na argumentação apresentada, duas providências são solicitadas:

1 – A retirada do artigo 4º, proposto pelo parecer do Deputado [Mauro] Bragato, é fundamental para que esta proposição não represente o fim da política pública, iniciada em 1985, de destinação de terras devolutas para trabalhadores rurais.

2 – A inclusão do Título de Concessão de Direito Real de Uso – CDRU, como uma alternativa ao Título de Domínio, é fundamental para atenuar o processo de mercantilização das terras públicas que virá à medida que as condições resolúveis dos títulos de domínio deixem de vigorar. Com a alternativa do CDRU, pelo menos parte dos lotes poderiam preservar integralmente o cumprimento da função social.

A isto se adicionou a proposição de que “os parlamentares deveriam rever o açodado processo legislativo e reabrir o debate. Foram necessários 36 anos para que a política agrária de São Paulo chegasse até aqui”.

“PL da grilagem”

O artigo 4o., mencionado no primeiro dos dois itens solicitados, resultou no apelido “PL da Grilagem” para o projeto, como divulgado por diversos veículos da mídia:

A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou nesta terça-feira o Projeto de Lei 410/2021, por 57 votos a quatro, depois que o governo de São Paulo retirou o artigo 4, que permitia a titulação de grandes propriedades ocupadas irregularmente no estado, num total estimado em 1 milhão de hectares em terras públicas devolutas. Devido a esse artigo, o PL havia sido apelidado de “PL da Grilagem”. (O Globo 08/02/2022)

Um milhão de hectares equivale a 10.000 km2, área diversas vezes maior do que a de qualquer município do estado – o maior deles, Iguape, tem1.979 km2. A questão, inclusive, levou à interrupção da tramitação do projeto via medida liminar, posteriormente cassada pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça de SP, e terminou após intensas negociações que culminaram com a retirada da emenda do texto.

Endividamento compulsório dos assentados foi mantido

A segunda questão, no entanto. foi mantida apesar da insistência em se admitir também a possibilidade de opção pela CDRU, o que evitaria o endividamento e fragilização daqueles assentados que não estiverem em condições de comprar o Título de Domínio do estado. A negativa da opção pela CDRU, inclusive, de acordo com o documento, é inconstitucional, o que deverá manter o questionamento junto à justiça.

Projeto aguarda aprovação do governador

O chamado autógrafo do projeto, que é a versão final a ser submetida pelos deputados para sanção do governador, foi publicado no Diário Oficial do Estado de 05/02/2022, pg 5.

Pesquisadores e organizações acionam Ministério Público contra “PL da Grilagem” de Doria (Brasil de Fato 07/10/2021)

Texto da ação interposta junto a Ministério Público

FAO promove Plano de Ação da Agricultura Familiar que segue até 2028

ESALQ promove agricultura familiar

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